Bruxelas atenta a possível interferência russa nas eleições europeias

por Cristina Sambado - RTP
Yves Herman - Reuters

A menos de dois meses das eleições europeias, os 27 países da União Europeia tentam encontrar uma resposta para as tentativas de ingerência russa, depois de ter sido descoberta uma alegada rede de influência, financiada por Moscovo, que visaria o Parlamento Europeu, o que levou à abertura de investigações e pedidos de sanções.

"Temos de ser muito mais vigilantes, temos de cooperar muito mais", afirmou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, no final do primeiro dia de trabalhos da cimeira da União Europeia em Bruxelas.

Referindo-se a um "debate muito bom" entre os líderes dos 27 Estados-membros, Charles Michel afirmou que era necessário enviar "um sinal claro" de que a União Europeia não era "ingénua".
Bruxelas alerta regularmente para o risco de uma intensificação das campanhas de desinformação por parte da Rússia no período que antecede as eleições europeias, com o objetivo de influenciar os resultados eleitorais e enfraquecer o apoio ocidental à Ucrânia na guerra desencadeada por Moscovo.
A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, também manifestou estas preocupações aos chefes de Estado e de governo. "Estamos a entrar num período de campanha muito agitado e teremos de estar vigilantes", avisou, garantindo que o Parlamento está "pronto a apoiar os Estados-membros na luta contra qualquer interferência maliciosa".
Antena 1

Numa versão ainda provisória da declaração final, os líderes dos 27 sublinham "a determinação da União e dos seus Estados-membros em acompanhar de perto e conter qualquer risco ligado à desinformação, em particular através da inteligência artificial, à manipulação da informação por atores estrangeiros e à interferência nos processos eleitorais".
Voz da Europa difundia propaganda pró-russa
As ameaças assumiram uma nova dimensão no final de março, quando Praga revelou a descoberta, pelos serviços secretos checos, de uma rede alegadamente orquestrada por Moscovo que difundia propaganda pró-russa sobre a Ucrânia através do portal Voz da Europa.

Na altura, a Bélgica informou que, segundo os seus serviços, os deputados europeus "tinham recebido dinheiro" desta rede para transmitir mensagens da Rússia. O caso levou os tribunais belgas a abrir um inquérito sobre o assunto.
"Temos de ser muito claros: este tipo de tentativa é inaceitável e temos de fazer tudo o que pudermos para proteger a nossa democracia", declarou o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, à chegada à cimeira em Bruxelas.
Em carta datada de 16 de abril, dirigida aos líderes europeus e aos presidentes das três principais instituições da União Europeia, De Croo e o homólogo checo, Petr Fiala, apelaram à adoção de um novo regime de sanções europeu para "contrariar as atividades maliciosas da Rússia".

"É evidente que o regime russo está a tentar influenciar as eleições europeias (em junho) e a reforçar o discurso pró-russo no próximo Parlamento", escreveram os dois líderes.

De Croo e Fiala pedem igualmente que o Ministério Público Europeu e o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) possam intentar ações judiciais contra esta ingerência.

"Não podemos permitir que a Rússia se safe com um ataque tão flagrante às nossas instituições e princípios democráticos. Temos de nos armar contra isso, tanto a nível nacional como europeu", explicam.

Os dois líderes afirmam que já foram detetados casos de desinformação e interferência pró-russa em vários Estados-membros. Em particular, os serviços de segurança belgas descobriram uma rede dentro da Bélgica que envolvia transferências de dinheiro que ocorriam em parte na República Checa.A rede teria como objetivo forjar a cooperação entre políticos pró-russos no Parlamento Europeu, ajudar a eleger mais candidatos pró-russos e nomear "pessoas ativas nesta rede como empregados (de eurodeputados recém-eleitos)".

"É o momento certo para estabelecer um novo regime de medidas restritivas destinado a combater as atividades malignas da Rússia", acrescentaram.

De Croo frisou ainda que os líderes da União Europeia concordaram em ativar durante dois meses um mecanismo de crise de emergência, que foi ativado durante a pandemia da covid-19. Um grupo de trabalho irá então monitorizar de perto a desinformação.

"O plano é produzir um ponto de situação da desinformação numa base muito regular. Vamos ligar esta informação, partilhá-la com os Estados-membros e trabalhar com as autoridades judiciais nacionais para tomar medidas", acrescentou o primeiro-ministro belga.

O governante salientou ainda o risco particular que representa não só para as instituições da UE, mas também para a NATO, que tem a sua sede perto da capital, Bruxelas. As eleições para o Parlamento Europeu que vão decorrer entre 6 e 9 de junho.

A Bélgica, juntamente com outros países da UE, abriu uma investigação criminal, ao passo que a República Checa sancionou vários indivíduos e uma entidade com sanções nacionais por esforços para minar a integridade territorial da Ucrânia.

O portal Voz da Europa, sediado em Praga e encerrado pelas autoridades checas, publicou artigos muito críticos em relação à ajuda ocidental à Ucrânia, dando também voz aos políticos de extrema-direita do continente.


O meio de comunicação Politico identificou 16 eurodeputados, todos de extrema-direita, que falaram na Voz da Europa.

Para além da atividade de propaganda, o Voz da Europa terá também servido para financiar candidatos às eleições europeias considerados aceitáveis por Moscovo, segundo os meios de comunicação social da Alemanha e da República Checa, com pagamentos a políticos de seis países: Polónia, Hungria, Alemanha, França, Bélgica e Holanda.

De acordo com o semanário alemão Der Spiegel, o dinheiro foi entregue em numerário em reuniões em Praga ou transferido através de uma criptomoeda, e o total ascende a "várias centenas de milhares de euros".

A República Checa já colocou na lista negra um homem de negócios próximo do Kremlin, Viktor Medvedchuk, bem como outro empresário ligado a órgãos de comunicação social Artem Martchevsky, por suspeita de envolvimento nas atividades da rede.

c/ agências
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